Enquanto muitas pessoas passam pela icônica Apple Store na Quinta Avenida, em Nova York, fica claro que a gigante da tecnologia enfrenta um grande desafio: o dilema do inovador. Esse conceito, formulado por Clayton Christensen, descreve como empresas estabelecidas têm dificuldade em adotar inovações radicais que podem prejudicar seus produtos principais. Hoje, a Apple — avaliada em mais de US$ 3 trilhões — tenta equilibrar a preservação de seu império com a necessidade de inovar, sob a liderança de Tim Cook.
O dilema reconhecido internamente
Steve Jobs, visionário fundador da Apple, já admitia que o iPhone poderia se tornar obsoleto em até 10 anos. Recentemente, Eddy Cue, chefe de serviços da empresa, reforçou a ideia em depoimento durante o processo antitruste contra o Google, destacando como novas tecnologias podem destruir mercados estabelecidos enquanto criam outros.
Esse dilema assombra a Apple: inovar com ousadia e arriscar a própria base ou evoluir lentamente para proteger a estabilidade?
O atraso nas promessas de IA
No evento anual de desenvolvedores de 2024, a Apple anunciou que iria acelerar a chamada Apple Intelligence, com promessas de integração de IA para ajudar usuários a organizar fotos, redigir textos e realizar comandos complexos com a Siri. Mas as melhorias anunciadas para a assistente de voz não chegaram até agora, e a Apple não confirma quando serão lançadas.
Alguns recursos de IA apareceram pontualmente, como edições de fotos mais inteligentes. Entretanto, outros, como alertas e resumos automáticos de notícias, foram suspensos devido à baixa precisão. Enquanto isso, concorrentes como Microsoft e Google continuam avançando rapidamente.
Motivos da lentidão
Craig Federighi, chefe de engenharia de software, revelou recentemente que a Apple não lançou as melhorias da Siri porque elas não atingiram o nível de excelência esperado. Segundo ele, lançar um produto de IA mal-acabado poderia manchar a reputação da empresa, e, por isso, preferem esperar.
Esse cuidado reflete o tradicional perfeccionismo da Apple, mas também escancara o risco de perder competitividade.
Os investimentos e prioridades da Apple
A postura cautelosa aparece nos números: os gastos com investimentos em inovação praticamente não mudaram desde a chegada do ChatGPT em 2022, enquanto rivais dobraram seus aportes. Em vez disso, a Apple optou por direcionar recursos para dividendos e recompra de ações, com previsão de devolver US$ 115 bilhões aos acionistas apenas neste ano fiscal.
Esse valor é 11 vezes maior do que a empresa planeja investir em ativos fixos no mesmo período.
As vantagens que podem salvar a Apple
Apesar da demora, a Apple conta com pontos fortes que podem ajudá-la a virar o jogo:
- Base fiel de 1,4 bilhão de usuários ativos — consumidores que dificilmente trocam de marca, garantindo estabilidade.
- Foco em privacidade — promessa de executar IA localmente, protegendo dados dos usuários.
- Ecossistema robusto — integração única entre hardware e software, diferencial difícil de replicar.
Essas vantagens podem permitir que a Apple recupere terreno, caso consiga apresentar soluções inovadoras antes que os concorrentes consolidem suas ofertas.
A ameaça das startups e a resposta da concorrência
Enquanto isso, rivais se movimentam rapidamente. A OpenAI, por exemplo, investiu US$ 6,5 bilhões para explorar dispositivos de IA em parceria com Jony Ive, ex-designer da Apple, visando criar produtos que possam se tornar o novo centro de interação do consumidor com a inteligência artificial.
Esses movimentos mostram que esperar demais pode custar caro.
O que está em jogo para o futuro
A Apple precisa encontrar o equilíbrio entre a excelência que a consagrou e a velocidade que o mercado exige. O dilema do inovador não é apenas um conceito acadêmico: é a encruzilhada real em que a Apple se encontra. Se demorar a agir, corre o risco de tornar obsoleto seu principal produto, o iPhone, e perder relevância na próxima grande onda tecnológica.